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sexta-feira, 22 de julho de 2016

A era da conveniência

Estamos vivendo uma era na qual a conveniência parece ser mais fundamental do que nunca, especialmente nas relações comerciais.
Estamos vivendo uma era na qual a conveniência parece ser mais fundamental do que nunca, especialmente nas relações comerciais. Conveniência aqui vista como um benefício adequado, uma vantagem obtida de forma legítima e positiva. Neste sentido, para o varejo proporcionar conveniência aos consumidores é necessário o entendimento dos desejos do consumidor, uma certa capacidade de olhar para o negócio com os olhos do seu público-alvo. Entender para atender e reter. Algo com certo grau de complexidade, com embasamento científico, mas que muitas vezes é feito apenas no feeling.
 
No varejo físico, por exemplo, a conveniência pode assumir diferentes dimensões, muitas delas simultâneas: localização, tamanho, conforto térmico e acústico, horários de funcionamento, padrão de atendimento, adequação do sortimento, concessão de crédito etc.  O que é mais conveniente? Na busca para proporcionar maior conveniência ao consumidor, o maior desafio enfrentado nas últimas décadas pelo varejo brasileiro tem sido, por mais tolo que pareça, tratar o consumidor como consumidor. Encantá-lo. Fazer com que volte mais vezes e recomende sua loja.
 
A figura do consumidor, com direitos claramente estabelecidos, ainda é relativamente recente por aqui. Enquanto os EUA formalizaram seu primeiro órgão de defesa do consumidor na década de 1930, nosso principal órgão de defesa do consumidor, a Fundação Procon, foi criada somente em 1976, e ainda assim com escopo limitado ao estado de São Paulo. Enquanto o nosso Código de Defesa do Consumidor entrou em vigor em 1991, em 1962 o presidente Kennedy formalizou junto ao Congresso norte-americano um conjunto de direitos do consumidor, considerado como o código de defesa do consumidor norte-americano. Ou seja: em direitos do consumidor, largamos dos boxes.
 
Mas se fizemos uma corrida de recuperação para oficializar os direitos do nosso consumidor, a partir da década de 1990 começamos a recuperar esse atraso, indo inclusive além dos direitos estabelecidos e trazendo o olhar do consumidor para a gestão do varejo. Na perspectiva de gestão do mix de mercadorias, um dos movimentos fundamentais foi a criação das Associações ECR (Efficient Consumer Response). Tais entidades se propunham a apoiar a integração dos elos da cadeia de abastecimento com vistas a atender o consumidor com o melhor mix possível e otimizar os custos dos varejistas. Nos EUA a Associação ECR foi  criada em 1992, na Europa em 1994 e aqui no Brasil em 1997.  Esse movimento foi a mola propulsora para o desenvolvimento e disseminação da metodologia de Gestão por Categorias, que considera fortemente as necessidades e desejos dos consumidores com relação a variedade e profundidade do mix de mercadorias dos varejistas.
 
No final da mesma década de 1990 tivemos um segundo movimento que sacudiu ainda mais as bases do varejo tradicional: a evolução e consolidação do e-commerce. Até então a internet era vista mais como um meio de comunicação e entretenimento do que uma plataforma para um varejo mais robusto. A partir da consolidação desse movimento ficou mais evidente aos varejistas a necessidade de aprimorar suas relações com os consumidores pelos diferentes canais de atuação, para proporcionar a melhor experiência possível. É o desafio de lidar com a já batida definição de “consumidor multicanal”, que se relaciona com o varejista por diferentes canais, em diferentes momentos.
 
O esforço do e-commerce para estabelecer um mix com amplitude e profundidade capaz de lidar com a concorrência a um clique, e não mais a quadras de distância, além de aspectos críticos como logística e meios de pagamento, subverteram algumas dimensões de conveniência. Nesse ambiente, a localização é a URL e sua posição relativa em mecanismos de busca ou de comparação de preços. A conveniência vem por meio de dimensões como a  navegabilidade e desempenho da plataforma, uma vez que seu funcionamento é “24×7”; pelo cumprimento dos prazos de entrega; pelo padrão de logística reversa para casos de troca; e por aí vai. Além disso tudo, ainda há o esforço permanente para aprender a lidar com o showrooming (o consumidor olha o produto na loja física e o compra no e-commerce) ou com o webrooming (o consumidor pesquisa no e-commerce antes de ir comprar na loja). Dessa forma, é inevitável o entendimento sociológico das expectativas dos consumidores para antecipar, ou no mínimo atender as demandas por conveniência.
 
Nesse sentido, o cross-channel pode ser meio de conveniência, se bem explorado. Por exemplo, o recurso de “compre on line e retire em uma de nossas lojas” pode não apenas trazer conveniência ao consumidor mas também proporcionar certa racionalização dos estoques ao varejista, dado que em muitos segmentos de varejo parte do estoque fica em um depósito central e parte fica distribuído por diferentes filiais. Ou seja, em uma compra onde o desejo é ter a disponibilidade quase imediata da mercadoria adquirida, a conveniência pode se traduzir em dar visibilidade do estoque ao consumidor. Uma das primeiras empresas a fazer isso foi a Best Buy, nos EUA, que exibe ao consumidor no e-commerce em quais filiais a mercadoria a ser comprada poderia ser retirado imediatamente.  Aliás, com esse recurso o consumidor pode até ir diretamente na loja física e fazer a compra, sem o risco de dar viagem perdida. Aqui no Brasil algumas operações de e-commerce, como a C-Nova, já estão fazendo algo parecido.
 
Esse recurso pode funcionar muito bem quando o consumidor busca por itens específicos, seja por marca ou algum tipo de funcionalidade. Entretanto, se o consumidor desejar ter a visibilidade do estoque por determinada categoria, a coisa pode mudar de figura. Imagine que você está instalado em uma cidade que possui apenas uma filial física do e-commerce no qual você está pesquisando para a compra urgente de um pequena impressora multifuncional, e que as demais filiais mais próximas ficam a dezenas quilômetros de distância. A conveniência nesse caso talvez fosse saber quais modelos de multifuncionais poderiam ser encontrados naquela filial. Mas se você quiser saber isso sem se deslocar até a loja física, terá que entrar em cada um dos modelos para verificar quais deles estariam disponíveis para imediata retirada naquela filial. Pode ser que dar a visibilidade de estoque das mercadorias por categoria ainda não seja feito por questões estratégicas de concorrência. Mas pode ser também que esse tipo de conveniência ainda não tenha sido mapeada pelos players.  Ainda.
 
Vemos então que o desafio do varejo em lidar com as necessidades de conveniência demandadas pelo consumidor parece nos levar a um caminho onde uma vez atendida determinada conveniência, surge outra na sequência. Mas isso também não é novo: guarda certa similaridade com a teoria da hierarquia das necessidades proposta por Maslow há mais de setenta anos…
 
Fonte: O negócio do varejo

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