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sexta-feira, 22 de julho de 2016

O varejo e o golpe da realidade

Economista do CIP - Centro de Inteligência Padrão mostra que realidade veio a galope em junho e mostra um fundo do poço inundado em lama.
Shutterstock
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Esperavam-se medidas concretas para combater o descalabro das contas públicas. O presidente interino montou uma equipe econômica de viés ortodoxo e plenamente capacitada para o urgente ajuste de que necessita o País, mas suas medidas de fato só fazem sangrar o fiscal no curto e no longo prazos. Ao oferecer um pacote de bondades generalizado de R$ 125 bilhões para cimentar apoio político em caso de concretização do impeachment, cresce o déficit público neste ano, impactando também os resultados orçamentários futuros. Agenda dupla: o velho pragmatismo político brasileiro em sua plenitude e um estranho otimismo mal fundamentado. Péssimo para um Brasil que tenta voltar aos trilhos.
 
Afinal, por que acompanhar o debate político e econômico é fundamental?
 
Encarar os problemas que estão postos à mesa há anos é peça-chave para sair da crise. Distribuir benesses acreditando que a virada de chave virá com a definição do afastamento da presidente é postergar desafios que hoje destroem empregos, renda e empresas. Quanto mais se esperar, mais caro custará o ajuste fiscal, como sempre insiste o competente economista Marcos Lisboa. Em terras brasis, obviamente quem pagará o pato será o cidadão, seja ele consumidor, seja ele empreendedor. Sensível aos ciclos econômicos, enquanto não sair da crise, o varejo impossibilitará qualquer recuperação sustentável da economia.
 
O recuo de 1% no varejo em maio, apurado pelo IBGE, é um sinal claro de que o setor pode amargar seu pior desempenho desde 2001. O País pode ter atingido o fundo do poço, mas está chafurdando em seu lamaçal. Em mês de dia das mães, o resultado é alarmante, porém não surpreende.

 Ora, o mercado de trabalho derrete e o desemprego seguiu em 11,2% em maio, segundo a PNAD Contínua. Nos cinco primeiros meses deste ano, já foram fechadas mais de 220 mil vagas no comércio (varejo e atacado) conforme apuração do Ministério do Trabalho. A renda real segue em trajetória errática, porém pressionada pela inflação de alimentos, que se manteve em patamar elevado no segundo trimestre (12,1% em junho), corroendo, pois, a renda do trabalhador. É uma variável fora do controle do Banco Central, que pode tão somente lançar mão do aperto monetário para segurar o aumento generalizado do nível de preços.

 Manter as taxas de juros em patamar elevado é a única saída que a autoridade monetária brasileira tem para segurar a inflação, contudo faz sangrar o varejo. Em maio, segundo o Banco Central, a média a taxa de juros à pessoa física no rotativo do cartão de crédito atingiu inacreditáveis e ofensivos 471,3% ao ano. Que consumidor consegue financiar e consumir produtos sem colocar uma corda em torno do próprio pescoço? A única opção que lhe resta é ou se endividar (provavelmente ainda mais) ou reduzir o consumo. A segunda opção tem ganhado força, reduzindo-se as vendas e perdendo o varejo em termos de receita. Tal é a redução do consumo que a CNC tem apurado uma redução do endividamento das famílias, que optam por sanear suas finanças e, também, segurar o ímpeto consumista.

 Em se tratando do varejo, muito se fala dos necessários investimentos estratégicos. Auspicioso seria financiar tecnologias avançadas tão benéficas para os negócios, não fossem os 339,6% de juros ao ano no crédito rotativo às empresas, com potencial para levar qualquer varejista à falência. Se há dúvidas sobre isso, basta analisar a alavancagem (relação entre Dívida Líquida e EBITDA) de algumas grandes companhias listadas em bolsa e compreender que várias estão quase insolventes, para não mencionar aquelas muitas que já entraram com pedido de recuperação judicial.

 Curiosamente, em maio houve um estranho repique positivo na demanda de crédito por empresas, conforme levantamento da Serasa Experian. No varejo, por exemplo, houve variação positiva de 11,8% na tomada de crédito. Os varejistas querem investir, mas fica a pergunta: com que recurso financiarão as dívidas? Os estoques do varejo ainda estavam elevados em junho, segundo a CNC. Muitos varejistas têm recorrido a liquidações fora de época para não tomarem o prejuízo da depreciação das mercadorias. Porém, para aumentar suas vendas, devem reduzir preços e, portanto, margens que já são estreitas. Apostar na retomada do consumo é atirar no escuro, mas é a essa tênue esperança que se atêm o consumidor e o empresário.

 O afastamento provisório de Dilma Rousseff insuflou esperança nos agentes, refletindo positivamente nos indicadores de confiança apurados pela FGV em junho, cujo segundo mês consecutivo de aumento foi influenciado sobretudo pelos índices de expectativas. O interino pode não ser a melhor opção, mas tirou o País de uma rota econômica claramente suicida, ainda que pisando em cacos de vidro.

 Tamanho é o poder das expectativas que as ações das empresas varejistas listadas na bolsa têm recuperado valor. Ademais, semanalmente, o Boletim Focus do Banco Central mostra uma redução consistente das expectativas inflacionárias de 2016 e 2017, e projeções cada vez menos pessimistas do PIB deste ano e do próximo. É um caminho para a redução das taxas de juros. O outro, mais importante, depende da política e da boa vontade de Brasília em aprovar projetos amargos em prol das finanças públicas e do futuro do País.

 Resta agora compreender quão bem fundamentadas estão as expectativas. Se o afastamento for consumado, o que virá na sequência? A sociedade espera menos conversa e mais ação. É justamente essa esperança que fundamenta o otimismo do mercado, tão delicadamente equilibrada sobre o fio da navalha política, afiadíssima em tempos de crise.
 
*Eduardo Bueno é economista e analista do Centro de Inteligência Padrão – CIP.
 
Fonte: Portal no Varejo

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