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terça-feira, 10 de dezembro de 2019

COMO A NESPRESSO CRESCE SEM PARAR EM MERCADO QUE PATINA

O executivo suíço Jean-Marc Duvoisin, de 60 anos, comanda a Nespresso desde 2013 e vem se dedicando a uma missão ainda mais difícil que gerir uma empresa gigante. Ele tenta convencer o mundo que um cafezinho feito à moda antiga tem alto impacto ambiental, pelo desperdício de pó, água e energia. Com a cápsula e a máquina da Nespresso, argumenta Duvoisin, usam-se as quantidades exatas dos três insumos. Multiplique esse efeito pelos milhões de xícaras preparadas todo dia mundo afora e… não há como fazer essa comparação de maneira precisa. Duvoisin reconhece que o tema é difícil, mas a Nespresso vem se empenhando em levar ao mercado mensagens complexas. “Ainda temos de convencer mais gente a colaborar e levar as cápsulas para a reciclagem”, diz. No Brasil, muitos estão se convencendo: a taxa de cápsulas usadas devolvidas no segmento B2B (as máquinas instaladas em empresas) passou de 14% no ano passado para mais de 21% este ano. No segmento B2C (máquinas em residências), o avanço foi de 18% para 22%. Os bebedores de café de Brasília e Porto Alegre foram os mais engajados na mudança. Para além das mensagens, a Nespresso impressiona como negócio — é uma pioneira do comércio eletrônico, uma referência em construção de marca e uma força pela mudança em suas várias cadeias de suprimentos. Como uma unidade independente da companhia-mãe Nestlé, não divulga resultados financeiros, mas seu crescimento se mantém por volta de robustos 5% ao ano. Duvoisin está de mudança — em 2020, retorna à Nestlé, como vice-presidente. Antes dessa transição, passou por São Paulo, onde experimentou três novas variedades de café brasileiro e conversou com Época NEGÓCIOS sobre seu legado.

Vocês lidam com três cadeias bem diferentes — fornecedores de café, de alumínio para as cápsulas e de componentes para as máquinas de café. Qual é o maior desafio em cada uma, do ponto de vista de sustentabilidade?
Uma cadeia em que estamos avançando, mas ainda não chegamos aonde queremos, é a das máquinas. É muito complexa: há muitos tipos de fornecedores para os diferentes componentes. Como garantir que todos estão trabalhando da forma correta no início da cadeia? E no fim da cadeia? A máquina dura anos e anos. Quando chega ao fim da vida útil, como destinar os componentes do jeito certo? Ainda temos lacunas a preencher [cerca de 40% do plástico usado nas máquinas é reciclado, e os equipamentos têm hoje metade do peso que apresentavam em 2009. Consumidores podem devolver à empresa máquinas antigas em troca de desconto nas novas]. Nossa fábrica em Romont, na Suíça, tem o selo Leed ouro, de sustentabilidade de edificações [essa unidade foi a primeira fábrica suíça a conseguir a certificação]. Está entre as mais responsáveis do mundo com o meio ambiente. E na Europa, fazemos o máximo possível da distribuição por trens e barcos.


Como vocês lidam com os fornecedores de alumínio?
Há alguns anos, não tínhamos rastreabilidade. Definimos um programa para resolver isso, com a IUCN (União Internacional para Conservação da Natureza) e a Rio Tinto (mineradora anglo-australiana). Tenho no meu escritório o primeiro bloco de alumínio que sabemos exatamente de onde veio. Chegou em janeiro de 2019. Ter alumínio com rastreabilidade é incrível, porque normalmente a cadeia de fornecimento acaba misturando metal de diferentes origens. Muito antes disso, em 2009, já havíamos sido fundadores da ASI (Iniciativa pela Sustentabilidade do Alumínio), que hoje inclui muitas das montadoras de automóveis, como Volkswagen, BMW e Land Rover; e outras grandes empresas, como Tetrapak, Heineken e Apple. Queremos ter certeza que a matéria-prima veio de uma origem com responsabilidade social e ambiental. A certificação ASI se tornou disponível em 2018 e queremos que, até 2020, todo o nosso alumínio novo atenda a esse padrão. Em alguns anos, acredito que nenhum consumidor vai aceitar ficar sem saber de onde vieram os materiais que usa no dia a dia.


Na reciclagem do alumínio das cápsulas, ainda temos de convencer mais gente a colaborar. Precisamos que o consumidor leve as cápsulas para a reciclagem. Nosso objetivo é que para pelo menos 90% dos consumidores seja fácil reciclar — é o nosso principal compromisso. No Brasil, dobramos o nível de reciclagem em poucos anos [no país, a Nespresso considera que 81% dos consumidores tenham acesso fácil a postos de coleta, e 23% das cápsulas são recicladas].

E na cadeia do café?
A cadeia do café é aquela em que estamos mais adiantados. Podemos melhorar sempre, mas somos muito bons nisso. Mais de 97% do café que compramos é “triplo A” — ou seja, ajudamos os produtores em três frentes: produzir o melhor grão possível, com o menor impacto ambiental possível, com remuneração maior. Vemos os efeitos. O Brasil é o nosso maior fornecedor global. Este ano fui à Colômbia, ainda vou à África, e vemos fazendeiros orgulhosos pelo que estão fazendo.


Há muitas mudanças no comportamento do consumidor que desafiam as empresas de bebidas e alimentos. Quais dessas mudanças mais afetam o seu negócio?
Essa transformação tem alta complexidade. Vou resumi-las a três aspectos, que têm a ver com expectativas do consumidor. A primeira é que, se vou ao mercado, espero encontrar café de alta qualidade. Isso resulta de as pessoas terem adquirido mais experiência e conhecimento. Um pouco disso se deve à Nespresso, que permitiu às pessoas terem acesso a café de melhor qualidade em casa, e se deve muito à terceira onda de cafeterias, que se espalharam pelas duas costas dos Estados Unidos, pela Austrália e por cidades como Berlim e Londres [costuma-se tratar como da “primeira onda” as cafeterias onde não havia opções na bebida. A “segunda onda” surgiu na Califórnia, nos anos 60, com a valorização de processos artesanais de produção e identificação dos países de origem dos grãos. A “terceira onda”, no início dos anos 2000, é a das cafeterias com grande variedade de origens, sabores, processos de produção e formas de preparo, assim como maiores preços para cafés especiais]. A terceira onda traz novas experiências e variedades da bebida. Aproveitamos essa tendência e apresentamos ao consumidor novas origens de café, como Zimbábue e Sudão do Sul. É um reavivamento, porque a produção no Sudão do Sul é das mais antigas do mundo. Encontramos variedades que só existem lá. O único café proveniente de Cuba sendo vendido nos Estados Unidos é nosso [a Nespresso iniciou em 2018 a primeira venda de café cubano nos EUA desde 1958]. Apresentamos não apenas sabores e aromas, mas também histórias. O consumidor não esperava degustar café vindo do Zimbábue, por isso esse produto foi um sucesso. Gosto de usar vinho como referência. Há 50 anos, os vinhos todos pareciam ter mais ou menos o mesmo gosto… não para os especialistas, mas para o consumidor comum, era assim. Aos poucos, as pessoas passaram a entender mais de vinho, a demandar diferentes experiências e o setor inteiro se beneficiou. O café passa pelo mesmo processo. Os produtores de grãos vão desenvolver novas especializações. Temos uma linha, lançada há um ano, que se refere às especificidades de cada origem — num lugar, morcegos participam da polinização; em outro, há colheita tardia de um tipo de grão…


E há outras duas grandes tendências, certo?
A segunda inclui como as pessoas fazem compras e a transformação digital. A Nespresso foi uma das primeiras em comércio eletrônico global — fizemos isso antes da Amazon. Estabelecemos um modelo de venda direta ao consumidor e vamos acelerar esse negócio. Nos Estados Unidos, a mudança rumo ao comércio eletrônico é muito rápida, assim como na China e na Coreia do Sul. Na Europa, esse movimento é muito mais lento. No Brasil, provavelmente vai acelerar. Imaginamos que o cenário aqui vai ser completamente diferente em cinco anos. O comércio eletrônico nos permitiu não só vender globalmente, mas também estabelecer conexão com o consumidor. Nosso consumidor faz parte de um clube. Somos muito bons em entender o que ele quer. Nos próximos cinco anos, queremos que esse cliente compre cada vez mais pela internet, mas vá de vez em quando às nossas butiques para ter a experiência completa. A Amazon está comprando empresas físicas de varejo porque sabe que, se ficar só no digital, parte da experiência que se pode proporcionar ao consumidor vai se perder.


E qual é a terceira expectativa?
Sustentabilidade. Isso se acentuou nos últimos quatro anos, mais ou menos. Precisamos nos comunicar muito mais, porque o consumidor quer que as empresas se comportem de maneira ética, socialmente responsável. Hoje, temos de explicar muito mais sobre como conduzimos os negócios. Em todos os países onde compramos café, incentivamos o produtor a elevar a qualidade e agregar valor; mas também o incentivamos a produzir da maneira mais ambientalmente responsável, com o consumo correto de água, o uso correto de insumos no cultivo. Temos ao redor do mundo 450 agrônomos que visitam e ajudam os fazendeiros para tornar a produção mais sustentável. O consumidor exige, cada vez mais, entender o impacto do modo como vive e consome. Temos de dar muitas explicações, para que ele entenda que tomar o nosso café é uma forma de reduzir a pegada ambiental. É contraintuitivo, porque você tem a cápsula como resíduo, mas o impacto diminui por dois motivos principais: ao usar a porção predefinida de pó, você extrai o máximo do café, consome menos e não desperdiça. Isso tem efeito na quantidade que se precisa produzir.

Depois da produção, entre 40% e 50% da pegada de carbono tem a ver com como você prepara a bebida. Se você não usa a porção predefinida, tende a esquentar mais água que o necessário e gastar mais energia. Claro, precisamos que o consumidor se empenhe na reciclagem do alumínio, um material nobre, que pode ser reciclado indefinidamente. Sabemos que a jornada de mudanças em experiências, atitudes e comportamentos [do consumidor] vai se acelerar, e o modo como lidamos com isso é fundamental.

É contraintuitivo mesmo pensar no impacto ambiental da forma tradicional de beber café, sem cápsulas. No modo tradicional, só resta a borra de café, um resíduo orgânico.
Fazer café do jeito tradicional, com filtro, tem uma pegada de carbono terrível, por causa do desperdício. Usa-se muito mais pó que o necessário, porque você extrai apenas 10% da bebida que o pó oferece. Sabemos que isso é difícil de perceber. Então damos essa explicação continuamente a todos os stakeholders, a ONGs, à academia, ao consumidor. Temos nos concentrado muito em explicar a reciclagem, que talvez seja mais fácil de entender.


Onde é mais notável a evolução de comportamento do consumidor em relação à reciclagem?
Nos últimos três, quatro anos, dobrou o índice no Brasil entre consumidores finais. Nos Estados Unidos, dobrou também. Mesmo na Suíça, onde as pessoas reciclam desde sempre — quando eu era criança já havia três ou quatro latas de lixo separadas na cozinha —, houve avanço de 25% na nossa reciclagem. (Mostra uma caneta) Esta é uma típica caneta suíça e foi feita com alumínio reciclado das nossas cápsulas. Também há bicicletas sendo feitas com o nosso alumínio. Há uma diferença grande entre países. Em alguns lugares, realmente não se dá muita importância à reciclagem. Entre grupos demográficos também há muita diferença. Para os mais jovens, sustentabilidade ambiental é uma questão “top of mind”. Jovens esperam esse tipo de comportamento do próprio grupo com que convivem e das companhias com que se relacionam. Empresas que não conseguirem lidar com essa exigência de maneira muito profissional vão ter problemas.


Como vocês tentam convencer outros players a participar desse esforço?
Um aspecto é conseguir que o consumidor participe, que ele faça um pequeno esforço e recicle. O outro aspecto — estamos avançando, mas não chegamos lá ainda — é como o setor inteiro se comporta e como ele é percebido. Temos concorrentes que não fazem muito a respeito. Quero que o setor inteiro se conduza bem no impacto ambiental, no tratamento e remuneração do produtor rural. Não quero que a Nespresso faça isso sozinha. Somos uma empresa grande e investimos muito, mas dentro do setor somos pequenos. Se formos os únicos agindo de certa forma, não vai ser o bastante. O desafio não é ser o melhor da turma, é convencer os outros a agir da mesma forma. É difícil, mas isso poderia mudar a imagem do setor inteiro.


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