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quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

A crise existencial do varejo e shopping centers

No passado o consumidor ia às lojas basicamente para abastecer-se de produtos. Aliás, aqueles eram praticamente os únicos lugares onde ele podia fazer isso, salvo se um vendedor ambulante batesse à sua porta. Hoje, diante das facilidades da internet e delivery, visitar uma loja deixou de ser obrigatório. Isso significa que as pessoas não precisam ir às lojas. Para que a visita ocorra, elas devem querer ir à loja.
Casper, e-commerce de colchões preferida dos millennials nova-iorquinos
Como consequência desse movimento, o varejo está vivendo uma baita crise existencial: não sabe mais qual sua razão de existir. Qual o seu propósito. Obviamente, a dúvida alcança também os shopping centers, que eram, não faz muito tempo, considerados tão somente templos de consumo.
Certo é que os anseios e as demandas das pessoas mudaram. Durante a interessante apresentação que fez na última NRF sobre o novo consumidor, Andrea Bell, da britânica WGSN mostrou que vivemos em uma sociedade amedrontada, ansiosa, desnorteada pela desssincronia entre a vida pessoal e profissional e sufocada pelo excesso de informação.
Neste cenário, não buscamos acumular apenas produtos, mas principalmente sentimentos, sensações e experiências proporcionadas pelas marcas, tais como pertencimento, conexão, relaxamento, otimização do tempo, desenvolvimento pessoal.
Quer exemplos? Então vamos lá. A CAMP, é muito mais do que uma incrível loja de brinquedos. Ela define-se como uma loja que proporciona experiências para a família, mesclando brinquedos e brincadeiras. O que ela vende? Momentos felizes para pais e filhos.
Tem mais. A proposta da Casper não é a de vender colchões, e sim ajudar as pessoas a dormirem melhor. O que, diga-se de passagem, é bem mais valioso. Ela se apresenta como uma ‘Sleep Company’.
Esses dois exemplos, CAMP e Casper, ilustram a distância que separa os varejistas que insistem em vender produtos dos outros, orientados por propósito. Os primeiros estão obrigados a buscar permanentemente clientes para seus produtos. Por outro lado, as marcas com propósito engajam pessoas e assumem um desafio diferente, que é o de buscar produtos e serviços para oferecer à sua base fiel de clientes.
O mesmo se aplica aos shopping centers. Enquanto alguns teimam em seguir a cartilha do real estate, outros começam o longo e estimulante percurso na direção de sediar momentos memoráveis na vida de  pessoas de verdade – e ao mesmo tempo atrair para esse espaço marcas interessadas em falar com essas pessoas.
Marcas com propósito tem mais chances de alcançar perenidade mantendo sua identidade. De quebra, ajudam a fazer o mundo melhor. É o caso da Bombas, que vende meias confortáveis usando a estratégia ‘one for one’: a cada par de meias que vende, a Bombas doa um par de meias a um morador de rua. Mas atenção: ter propósito claro e relevante não significa ter licença para abrir mão dos princípios básicos de gestão. Veja o que aconteceu por exemplo com a Toms, precursora do ‘one for one’, que se atolou em dívidas e acabou arrematada pelos próprios credores.
A conexão emocional com as pessoas não se restringe a abraçar causas sociais. Ela pode ir muito além. Kevin Johnson, CEO da Starbucks, provou isso ao protagonizar uma das melhores sessões da NRF 2020, agora em janeiro, em Nova Iorque. O propósito da Starbucks é nutrir o espírito humano e ela faz isso proporcionando espaços para a interação entre as pessoas nas suas lojas. “É assim que nos abastecemos de energia, como obtemos apoio quando enfrentamos adversidades, como compartilhamos alegria e sucesso nas nossas vidas. Procuramos maneiras de criar conexões humanas porque o mundo precisa muito disso”, explicou Johnson.
Aliás, humanização é um conceito chave para entender o futuro do varejo e dos shopping centers. Não por acaso, essa foi uma das ideias mais repetidas este ano no Big Show da NRF, maior evento global de varejo. Curiosamente, enquanto as conferências exaltavam a importância do humano, na feira os expositores apresentavam as últimas inovações tecnológicas. Pode parecer confuso, mas acredite, no fundo faz todo o sentido.
O fim da crise existencial do varejo e dos shopping centers depende da velocidade com que ambos compreendam que esta aparente contradição é característica dos novos tempos em que vivemos.
Bem-vindos à Era Humanológica.
Por Luiz Alberto Marinho.
Fonte: Mercado e Consumo

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