Unidades viram elo na cadeia de vendas integrada à plataforma digital. Movimento também é impulsionado pelo custo menor dos imóveis comerciais.
A pandemia fez o faturamento do varejo digital dar um salto em 2020. Fim da linha para o varejo físico? A resposta é não. Varejistas já se preparam para a retomada investindo em novas lojas. A Riachuelo deu início à expansão das redes de unidades da Carter’s, marca infantil, e Casa Riachuelo, voltada para casa e decoração. Já prevê 40 inaugurações desse par de novos negócios em 2021.
Caminho parecido com o das Pernambucanas, que abriu 17 lojas este ano. Virão outras 23 até o fim de 2020. A rede vai dobrar o número de lojas no Rio para 30.
Esses grupos — e outros como Renner, Hering e a marca carioca Zinzane — seguem dois impulsos. Um é a transformação da rede física em elo da cadeia de vendas, integrada à plataforma digital. A outra é resultado do efeito da pandemia no mercado de imóveis comerciais: preços menores e condições melhores.
— Os canais físicos ganham importância porque deixam de ser um ponto de encontro de oferta e demanda de produtos e serviços, passando a oferecer experiência e posicionamento de marca e a funcionar como minicentros de distribuição dentro do ciclo de venda. Isso coloca nossos produtos mais próximos do cliente, reduzindo o tempo de entrega — explica Oswaldo Nunes, CEO da Riachuelo.
Ele pontua que, com a digitalização, também a loja física ganha uma “prateleira infinita”, porque o consumidor tem acesso a itens que eventualmente não estejam disponíveis em uma filial específica.
Para Roberto Kanter, professor dos MBAs da FGV e especialista em varejo, a loja física sai mais forte da pandemia:
— Vivemos uma redescoberta do papel do varejo físico. O comércio unificado veio para ficar. O ponto físico é um elo na cadeia de venda, que funciona de forma interligada. A loja física não é um fardo, ela é um prêmio.
É que as vendas em plataformas digitais, diz Kanter, costumam fisgar o cliente com promoções. Isso impõe um limite para convencer o consumidor a levar outros produtos ou comprar junto itens de maior valor agregado. As margens são mais apertadas.
Segmentos que resistem na crise
A diversidade de produtos e segmentos também pesa nessa expansão física. Ao avançar com as redes Carter’s e Casa Riachuelo, a Riachuelo — que tem 325 lojas no país e deve abrir mais cinco até o fim do ano — ganha posições em dois segmentos que movimentam mais de R$ 60 bilhões e de R$ 70 bilhões ao ano, respectivamente.
— Produtos infantis e itens de casa e decoração são categorias muito resilientes, mesmo em períodos de crise. Crescem sempre — diz Nunes.
A empresa abriu as duas primeiras unidades dessas redes no Rio este mês, no Botafogo Praia Shopping. Vai encerrar o ano com cinco filiais da Carter’s e seis da Casa Riachuelo.
— Com a pandemia, aqueles varejistas que já não vinham bem deram espaço para a entrada de novas marcas que geram identificação com o público consumidor e renovam a atratividade do mix de lojas — diz Evandro Ferrer, CEO da Ancar Ivanhoe, que administra o shopping carioca.
A Riachuelo sempre contou com itens de casa e decoração, porém mais concentrados em produtos têxteis. No início de 2019, começou a ampliar o portfólio, e pouco depois abriu sua primeira loja do segmento.
Já a parceria com a americana Carter’s teve início em 2015. Agora, começa a operação direta da marca no país. A estimativa, diz Nunes, é ter pelo menos 60 lojas em dez anos.
No caso de uma loja de departamentos,a segmentação com marcas para nichos específicos tem ainda outra razão. Em uma unidade Riachuelo essas marcas ocupam um espaço menor, o que restringe a oferta de itens e, por consequência, o faturamento.
E o fechamento de pontos de venda, tanto no comércio de rua quantos nos shoppings — só neste segmento, 11 mil lojas fecharam as portas entre abril e agosto, ou uma em cada dez —, por causa da pandemia abriu oportunidade para a abertura e expansão de outros negócios.
— Em imóveis comerciais, há redução de preço e condições mais flexíveis de negociação. Uma espécie de “bolha” que ajuda na expansão da rede física — diz Kanter.
Nunes reconhece que o cenário imobiliário ajuda:
— A oferta de pontos de pequeno e médio porte cresceu porque o varejo desse segmento não teve tanta resiliência na pandemia quanto os grandes grupos.
O executivo destaca que, em agosto e setembro, as vendas da Riachuelo já voltaram a patamares similares aos de igual período de 2019. A estimativa é que, neste quarto trimestre, haja retomada dos volumes, com crescimento de vendas e recuperação da lucratividade.
Margem de vendas digitais é menor
As Pernambucanas seguem o mesmo caminho. Continuarão investindo na expansão das lojas físicas, mesmo com o crescimento de canais de vendas digitais. Para o presidente da empresa, Sergio Boriello, o cliente ainda prefere ir até as lojas para comprar itens de vestuário ou de cama, mesa e banho. Só este ano, a companhia inaugurou 17 lojas. Até dezembro, serão mais 23.
O Estado do Rio concentra o maior número: serão dez inaugurações até 15 de dezembro. A empresa, que tem 15 lojas no Rio, avalia que o estado tem potencial para abrigar 60 unidades da marca.
— A rentabilidade das vendas digitais é menor, por questões logísticas e de custo de plataforma. A margem é um terço menor. A gente ganha no volume de vendas, mas perde rentabilidade — diz Boriello.
Outra com planos de crescimento é a carioca Zinzane, de roupas e acessórios. Serão 20 novas lojas este ano, só uma a menos que em 2019.
— Começamos 2020 com 120 lojas e vamos terminar com 140, todas próprias. Na reabertura, vimos que íamos crescer, a demanda voltou rápido — conta a diretora Mariana Richa.
Em setembro, a Zinzane vendeu 5% mais que em igual mês do ano passado. Na primeira semana de outubro, o salto foi de 21%. Com isso, a previsão já é encerrar o ano com expansão de 7% sobre 2019.
— A expansão já estava planejada, mas com a pandemia surgiram novas oportunidades, com condições de preço e negociação bem agressivas — diz Mariana.
Já a Renner, segundo a diretora de Operações, Fabiana Taccola, quer saltar, até 2025, das atuais 384 unidades para 520. A empresa também deve ampliar o total de lojas físicas das marcas Camicado, Youcom e Ashua.
Hoje, 90% das unidades da Renner estão em shoppings. De abril a junho deste ano, os canais digitais representaram 36% das vendas. Com a reabertura das lojas físicas, essa proporção tende a cair, mas Fabiana acredita que a maioria dos clientes vai usar tanto o canal físico como o digital:
— O consumidor precisa da loja física para experimentar as roupas e tocar nos produtos, por exemplo.
Foco no interior
Além disso, a marca usa 195 lojas como pontos de distribuição. Atualmente, 10% dos pedidos do e-commerce são atendidos pelo estoque das lojas. Há ainda a opção de comprar no site e retirar em uma unidade física. Isso reduz os prazos de entrega, diz a executiva.
Agora, a estratégia de expansão está concentrada no interior do país, especialmente em cidades médias, com população flutuante de ao menos 100 mil habitantes, das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
Na Hering, as plataformas digitais passaram de 6%, em 2019, para cerca de 30% no segundo trimestre deste ano. Do início da pandemia até agora, quase dois terços dos clientes que compraram pelo site nunca haviam usado a plataforma.
Para o diretor de Operações, Thiago Hering, mesmo com a abertura de todas as lojas da companhia, a estimativa é que, em 2021, 20% da receita venham de canais digitais. Mas ele ressalta que a capilaridade das lojas físicas também alavanca o negócio digital. A empresa manteve o cronograma de 130 novas lojas em 2020 e quer continuar o movimento no ano que vem.
Na pandemia, a Hering aumentou a parcela de lojas que também atendem às vendas digitais. Três em cada dez pedidos feitos pelo site são hoje despachados por lojas próximas do destino, o que reduziu o prazo médio de entrega de 7 dias para 3,6, segundo Thiago Hering. A meta é que metade das 750 lojas faça isso até o fim de 2021.
A companhia também quer ampliar a rede física por meio de franquias em áreas onde hoje tem menor presença, como Norte e Nordeste.
— Há dois anos, fizemos uma revisão nos formatos. Antes, tínhamos lojas típicas de 150 metros quadrados, com pouca variação. Agora, temos a megaloja, em grandes centros urbanos, que são importantes hubs para e-commerce, mas também temos a franquia convencional e o formato compacto, com tamanhos que variam de 60 a 80 metros quadrados — diz Hering.
Fonte: O Globo
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