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quinta-feira, 5 de novembro de 2020

Shopping centers: a outra ameaça digital, o poder das tribos e a rede social offline

Imagem: Reprodução

Quando pensamos nos movimentos que ameaçam o futuro dos shopping centers, frequentemente a conveniência do e-commerce aparece em primeiro lugar. No entanto, para o setor, este não é o único perigo produzido pelo digital. Afinal, passado o susto do fechamento compulsório, nossos centros comerciais estão estruturando-se para competir de alguma forma na arena do comércio virtual, explorando as vantagens econômicas provenientes da entrega de produtos a partir de suas lojas físicas.

Porém, para entendermos completamente a outra ameaça digital, precisamos voltar no tempo e identificar o momento em que o conceito original do shopping center sofreu uma mutação, adquirindo a função predominante de “templo de consumo”. Quando Victor Gruen, arquiteto austríaco conhecido como o pai do shopping mall nos Estados Unidos, foi convidado para desenhar shopping centers dos subúrbios americanos, na década de 50, tinha em mente um espaço orientado para ser o centro da vida da comunidade. Não foi bem isso o que aconteceu. Tanto que, em 2104, Rick Caruso precisou dar um alerta em sua histórica palestra na convenção da National Retail Federation (NRF), quando avisou que o centro de compra tradicional estava superado e não trazia mais os mesmos benefícios para frequentadores e lojistas. Nem todos entenderam o recado.

No Brasil, dada a localização central dos empreendimentos e os problemas urbanos que afetam as grandes cidades, abraçamos mais cedo a ideia de shoppings como espaços seguros e convenientes de entretenimento, serviços e, mais importante, de encontros. Prova disso é a pesquisa feita pela Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce) em 2006, portanto 15 anos atrás, revelando que apenas 38% dos frequentadores de shoppings haviam sido levados até lá pela necessidade de fazer compras. Estudos recentes mostram que essa realidade não mudou.

Isso significa que a maior parte das pessoas não pensa em shopping centers exclusivamente como local de compras. Eles estão associados a passeio, descobertas, socialização. Nesse sentido, concorrem com diversos outros locais onde as pessoas podem encontrar diversão e promover encontros, inclusive a internet. É óbvio que o ser humano é social e que preferimos o contato presencial ao virtual. Mas ninguém pode negar que, durante este período de isolamento, nos acostumamos, melhor do que imaginávamos, a promover reuniões de trabalho, familiares ou entre amigos pelo Zoom, a maratonar séries inteiras na Netflix e conversar com pessoas mais próximas pelo WhatsApp, usando vídeo ou não. A redução do tempo gasto pelos consumidores com interações reais e entretenimento presencial, essa é a tal outra ameaça digital.

À medida que os shopping centers compreenderem que seus frequentadores os procuram principalmente para cumprir a missão de viver bons momentos, passarão a priorizar a entrada de diferentes operações em seu tenant mix. Mais uma boa âncora de fast fashion ou um restaurante descolado? Aquela marca de moda capaz de agregar muito prestígio ou um excelente pet shop com pet park ao lado? Mais uma feira de colchões na praça central ou espaço para entretenimento infantil? Todas essas decisões impactam, evidentemente, receitas de aluguel. E é por isso que se torna necessário urgentemente criar novas fontes de ingressos, para compensar as perdas necessárias para proteger a verdadeira vocação dos shoppings, que é ser espaço de conexão entre pessoas com interesses comuns.

A ideia de oferecer um espaço de conexão para pessoas com interesses comuns nos leva a outro conceito interessante e ainda pouco explorado pelos shoppings: a construção de tribos. O americano Seth Godin, autor de best sellers como “A Vaca Roxa” e o indispensável “Marketing de Permissão”, escreveu em 2008 um pequeno livro, que passou despercebido por muita gente, chamado “Tribos”. Nele, Godin descreve o poder das tribos, que são grupos de pessoas conectadas entre si, inspiradas por uma ideia ou paixão, e lideradas por alguém, seja pessoa, seja marca.

Não queremos fazer parte de uma tribo só, mas de várias. Uma das principais missões do marketing em shopping centers será identificar temas poderosos o suficiente para engajar grupos numerosos de potenciais clientes em torno de ideias inspiradoras. Pense em clube de bikers, mães e pais de crianças pequenas, donos de cães, apaixonados por vinhos ou café, grupos literários, idosos que caminham diariamente, cinéfilos ou colecionadores de automóveis, para citar apenas algumas tribos mais conhecidas. Todas essas comunidades podem ser atraídas para o espaço agradável e acolhedor do shopping, recebendo estímulos para desfrutar repetidos encontros enriquecedores, além de sutis benefícios para consumir nas lojas.

Os shopping centers não devem subestimar o poder do digital em prover parte das necessidades de entretenimento e socialização que hoje as pessoas demandam. Nem hesitar em caminhar a passos largos na direção do resgate de sua essência. Na apresentação memorável que fez na convenção da NRF esse ano, Kevin Johnson, CEO da Starbucks, repetiu que o propósito da sua empresa é “inspirar e nutrir o espírito humano – uma pessoa, uma xícara e uma vizinhança de cada vez”. Essa declaração merece ser avaliada com atenção pelos shoppings. Troque “xícara” por “visita” e “vizinhança” por “tribo” e temos aí estabelecido um belo desafio: sem abrir mão da presença online, construir uma poderosa rede social offline.

Luiz Alberto Marinho é sócio-diretor da Gouvêa Malls.

Fonte: Mercado & Consumo

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