Por Luiz Alberto Marinho é sócio-diretor da Gouvêa Malls.
Alguns anos atrás, um shopping do Rio de Janeiro deu fim ao seu programa de fidelidade, um dos mais antigos do País. Após mergulhar fundo nos dados do programa e conversar com consumidores e lojistas, se deu conta de que o cobiçado privilégio de estacionar o carro de graça, oferecido aos clientes que alcançassem determinado nível de compras, era na verdade gerenciado pelos lojistas.
Não entendeu? Eu explico.
Os clientes passavam nas lojas que costumavam frequentar e pediam notas fiscais aos lojistas, mesmo sem fazer compras. Assim conseguiam alcançar a meta de gastos para continuar usufruindo do estacionamento gratuito. Na maioria das vezes, recebiam. Assim, em vez de recompensar os gastos realizados, o programa tornava-se uma ferramenta de relacionamento das lojas com seus melhores clientes. O que não é ruim, mas diferia completamente do objetivo do shopping.
Esse caso retrata a realidade de muitos programas de fidelidade em shoppings, desenvolvidos no passado. Em geral, dependiam de benefícios custosos, como vagas de estacionamento gratuitas. Possibilitavam, muitas vezes, fraudes relacionadas às notas fiscais. Eram excludentes, porque se baseavam em Pareto (miravam apenas os 20% que produziam 80% das receitas do shopping). Tinham como meta aumentar o share of customer (fatia do que o cliente tem para gastar que é efetivamente concentrada naquele shopping). E utilizavam pouco os dados que os clientes ofereciam.
No entanto, antes mesmo da pandemia, uma nova geração de programas de fidelidade começou a surgir por aqui, como consequência da evolução do modelo de negócio dos shopping centers, que agora precisam de fato conhecer individualmente seus frequentadores e utilizar efetivamente essas informações para gerar oportunidades para lojistas e anunciantes.
Para a Multiplan, por exemplo, o novo mantra é “gerar negócios por meio de dados”. Para colocar de pé essa ideia, criou o MultiVocê, programa que está implementado em todos os 19 shoppings da rede.
Construído ao redor de dois níveis, oferece aos clientes da categoria “Green” descontos em lojas selecionadas e vantagens nas promoções que a Multiplan realiza em datas promocionais. Já os clientes “Gold”, que precisam gastar R$ 10 mil em 3 meses para alcançar esse status, recebem ainda brindes exclusivos e podem trocar pontos por experiências.
A mecânica de acumular pontos para obter vantagens não é a única estratégia adotada pelos programas de fidelidade em shoppings no Brasil. No Iguatemi One, que foi reformulado em 2019, os clientes trocam notas fiscais para alcançarem um dos três níveis: Silver, Gold ou Black. Cada um deles dá acesso a privilégios diferentes. Aqui também, para usufruir dos melhores benefícios, os clientes precisam concentrar um volume grande de compras no shopping.
O problema com esses modelos é que não permitem que os shoppings conheçam e interajam com todos os seus clientes, mas somente com os mais abonados. Isso tem provocado um ajuste nas estratégias de fidelidade dos centros comerciais nacionais.
Um bom exemplo é a Aliansce Sonae, que lança neste fim de ano o piloto de um novo programa em dois shoppings, o Taboão, em São Paulo, e o Boulevard BH. “Desenhamos um modelo mais democrático, que permite beneficiar todos os clientes, e não apenas os 20% mais ricos”, explica Renato Floh, líder da Alsotech, empresa de inovação e tecnologia da Aliansce Sonae.
“Para alguns, o mais importante será receber descontos em lojas selecionadas. Para outros, viver experiências. Vamos explorar benefícios, gamificação e construção de comunidade considerando as diferenças entre os segmentos de consumidores e as regiões do país onde atuamos”, adianta.
Esse parece ser mesmo um caminho sem volta. Para alcançar uma base mais ampla de clientes, o Iguatemi está investindo em ações de ativação dentro do sofisticado One. Por meio do Iguatemi Collections, promoção que vai de setembro ao início de dezembro, os clientes trocam notas para acumular pins (um novo nome para os populares selinhos) e obter prêmios.
“Acreditamos que essa ação substitui com vantagem as tradicionais promoções dos shoppings, atendendo a mais lojistas e consumidores”, afirma Alexandre Biancamano, diretor de Marketing do Grupo Iguatemi.
Na mesma direção, o MultiVocê, apesar do pouco tempo de existência, já vai ganhar uma cara nova em breve. De acordo com Thatiana Barros, gerente de Fidelização da Multiplan, “o programa será mais amplo e sustentável, capaz de reconhecer nossos clientes e personalizar a relação. Traremos algo totalmente novo, que ainda não existe nos programas de shoppings do País”.
Apesar de manter mistério sobre o novo MultiVocê, Thatiana deu algumas pistas. Ao enfatizar que o programa será sustentável, sinalizou que parceiros externos serão importantes para colocar de pé a nova estratégia. Algo que também está no radar da Aliansce Sonae.
“Para custear benefícios que são caros para nós, como isenção de pagamento do estacionamento, por exemplo, estamos negociando com empresas de fora do nosso universo. Os clientes de um banco ou de uma operadora de telecomunicações podem ter benefícios nos nossos shoppings. Assim ampliamos ainda mais a nossa base de contatos”, comenta Floh.
Há ainda outras similaridades entre as estratégias das grandes redes. Envolver lojistas e usar vendedores como divulgadores do programa é uma delas. Usar esse momento para testar hipóteses e caminhos com ações isoladas, de curta duração, como o Iguatemi Collections, é outra.
A evolução do negócio dos shopping centers já começou e passa, necessariamente, pela interação ativa com a base de clientes, gerando oportunidades para lojistas de um lado e anunciantes de outro. Nesse sentido, os programas de fidelidade ganham relevante papel estratégico, porque permitem que os shoppings assumam o controle do relacionamento com seus clientes.
Fonte: Mercado & Consumo
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