O setor de shopping center investe forte no potencial fora das grandes capitais. Mas para se estabelecer é preciso considerar o comportamento do consumidor do interior e o fantasma da canibalização.
Já passava das 13 horas e a Praça de Alimentação do shopping, em Rio Claro, no interior de São Paulo, permanecia cheia. Entre uma fila e outra, chamava a atenção a conversa afiada das atendentes de uma franquia de fast-food à base de batatas. Sem ter a quem atender, as duas comentavam a falta de movimento enquanto a dona da loja justificava: na hora do almoço, o pessoal do interior gosta de arroz, feijão, carne e batata frita. Eles procuram por uma refeição, batata recheada para a grande maioria é lanche .
O desabafo, um tanto aflitivo para quem há mais de um ano insiste na mudança do hábito de consumo dos frequentadores do shopping, revela rapidamente o quanto tocar um negócio fora das grandes capitais exige vivência na região e muita pesquisa. O hábito de almoçar em casa e de frequentar o comércio de rua está arraigado no modo de vida de nada menos do que 132 milhões de brasileiros. Gente que reside fora das regiões metropolitanas, em cidades com populações em torno de 120 mil a 300 mil habitantes, que viraram o destino preferido por incorporadoras e investidores dispostos a erguer dezenas de shopping centers no interior e nas capitais do Norte e Nordeste.
Atraídos pelo custo do metro quadrado, que nas capitais tem ficado cada vez mais alto, pelo aumento do consumo das classes C e D e pela redução dos custos operacionais, muitos não se dão conta do tamanho do desafio que têm pela frente. A falta de hábito de se alimentar na hora do almoço e de jantar fora de casa é apenas um dos fatores, mas há dezena de outros que precisam ser cuidadosamente estudados antes de plantar um shopping que pode correr o risco de não gerar o tráfego de público estimado , afirma Marcelo Sallum, sócio-diretor da Lumine, responsável pela administração de 11 shoppings no País. De acordo com o executivo, antes de se deixar seduzir pelos baixos custos e bons índices de crescimento e desempenho econômico da região, é preciso olhar racionalmente o perfil dos clientes e a sua capacidade de consumo, o potencial de deslocamento não só da cidade, mas também do entorno, analisar as ofertas de varejo já existentes e até que ponto é possível oferecer outras.
De olho na geração de empregos e nos investimentos e melhorias que o mall levará para o município e para a região, muitas prefeituras usam a oferta de incentivos fiscais e até de áreas como atrativos na corrida pela concorrência de sediar um novo shopping. Mas o que num primeiro momento pode se apresentar como um grande atrativo, no futuro pode se revelar uma grande armadilha, com o mall sendo canibalizado por outros já consolidados e que têm por foco o mesmo público.
Atualmente, há a disposição dos investidores uma série de ferramentas de pesquisa que ajudam a realizar projeções de fluxo e viabilidade econômica muito próxima da realidade. Segundo os especialistas, as próprias âncoras podem funcionar como filtro, revelando qual o tamanho do interesse na área e quanto ainda há de percentual de consumo a ser absorvido. Assim como no passado, as lojas âncoras têm um papel fundamental na composição do mix dos shoppings, ocupando entre 40% e 75% da Área Bruta Locável (ABL). Sallum observa que, em um shopping de vizinhança o papel da âncora é exercido por um supermercado, já em um mall de comunidade, além do hipermercado é preciso somar uma loja de departamentos ou de variedades. Já os centros de compra superegionais e regionais demandam uma quantidade maior de lojas âncoras, que podem variar de três a 12, dependendo do porte do empreendimento.
As âncoras são grandes anunciantes nacionais e atraem o cliente pela mídia e pela diversidade de produtos que oferecem , ressalta Sallum.
Manter o consumidor na região e evitar que ele gaste o seu dinheiro muitas vezes a 150 ou 200 quilômetros de distância de onde mora é um dos papéis dos shopping centers que chegam a cidades que, sozinhas, não comportariam um investimento desse porte, mas que somadas aos municípios vizinhos têm a chance de aumentar o consumo da região. É essencial que se pense não apenas nas compras, mas também no lazer na hora de compor o mix de lojas do shopping , observa Luiz Constantino, diretor de Desenvolvimento da Prosperitas Investimentos. Outro cuidado é garantir espaço para o varejo local, respeitando a cultura e os hábitos de compra da região.
A receita é compartilhada por Dorival Regini, presidente da Landis Shopping Centers, responsável pela comercialização de 14 shoppigns no País. O consumidor do interior está acostumado a ter de viajar para ter boas opções de consumo, pois não encontra tanta variedade de ofertas quanto nas grandes cidades. Assim, se o shopping conseguir preencher essa lacuna, conquistará uma relação de fidelidade com esse público , afirma. Para tanto, é necessário identificar quais marcas nacionais ainda não estão presentes naquela cidade e que podem seguir o perfil socioeconômico da região, mas sem descartar as lojas locais. Para o consumidor é igualmente importante sentir que o shopping lhe oferece tanto novidades, quanto as marcas que ele já tem o hábito de usar , reforça Regini.
Os especialistas são unânimes em dizer que, muitas redes de atuação regional também têm encontrado dificuldades em expandir suas lojas, olhando o shopping center como uma operação bem aceita pelo consumidor, capaz de alavancar vendas e abrir espaços.
Empreendedores locais e nacionais buscam áreas de atuação mais consolidadas. Quando o empreendimento reúne vários desses players em um único lugar, a chance de vingar é muito grande , afirma Flávio Mancini da Riva, gerente comercial e de negócios da Cushman & Wakefield. Segundo ele, o que se vê hoje por todo o país é uma corrida das administradoras e do próprio varejo para ser o primeiro a ocupar os novos espaços. Na ânsia de marcar território, tem gente se esquecendo que disputar a liderança em uma região com quem já está estabelecido custa tempo, dinheiro e, em alguns casos, a longevidade do empreendimento.
Capital X Interior
De shoppings tradicionais a temáticos e rotativos, um raio X do mercado nacional
Fonte: Revista do Varejo
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