Após o início da integração com o BIG, grupo dispara na liderança do setor, investe em digitalização e trabalha na conversão de lojas.
Por Lara Sant’Anna
O francês Stéphane Maquaire assumiu como novo CEO do Carrefour Brasil em setembro de 2021 com a missão principal de guiar a bandeira durante o processo de aquisição e integração com o BIG. A transação de R$ 7,5 bilhões, divulgada em março do mesmo ano, marcou uma nova fase para o grupo e para o varejo brasileiro. Transformou a organização na maior empregadora privada do País, com mais de 150 mil funcionários, e em uma das principais redes varejistas, com valor total de vendas de R$ 100 bilhões (somados Carrefour e BIG em 2021) e mais de mil lojas, fazendo com que 50% dos brasileiros estejam à distância de cinco quilômetros de uma unidade, de acordo com o próprio Maquaire.
Com a conclusão do negócio, já em junho deste ano, foi a hora de arregaçar as mangas e iniciar a integração que resultou em nova diretoria e conselho de administração, redistribuição de bandeiras, novos formatos para o grupo com a chegada do Sam’s Club, além da expansão física e digital da operação, ampliando participação em mercados antes mais tímidos, como Sul e Nordeste. Como resultado do primeiro ciclo, no terceiro trimestre de 2022 o grupo Carrefour Brasil reportou R$ 29,3 bilhões em vendas brutas, crescimento de 41,4% no comparativo com o mesmo período de 2021.
Começo promissor em um processo de médio prazo de conversão de lojas e de melhora no desempenho das já operantes. “Estamos finalizando uma nova organização, um novo time muito mais forte para podermos nos digitalizar rapidamente ao mesmo momento em que estamos integrando todos juntos, formando um grupo Carrefour Brasil ainda maior”, disse o executivo.
Das 374 lojas do grupo BIG, 124 serão convertidas até fim de 2023, com um investimento de R$ 2,1 bilhões. As 15 primeiras conversões foram finalizadas em outubro, e a expectativa é que 50 lojas sejam entregues até o término deste ano, acelerando o processo que antes previa 35 unidades. Com o movimento, a marca BIG deixa de existir e outras bandeiras se fortalecem, como Atacadão, que apenas no terceiro trimestre de 2022 registrou R$ 17,8 bilhões em vendas, volume 15,1% superior a 2021. O formato Cash & Carry é o principal do grupo. No terceiro trimestre, o segmento faturou R$ 19,7 bilhões em vendas, contra R$ 8,2 bilhões da operação do varejo, que inclui os demias formatos em que atua.
O Carrefour segue na contramão do setor ao manter investimento em modelo hiper. Os mercados com muito espaço e com grande variedade de produtos, seja alimentício, bazar e roupa e até eletrônicos, deixaram de fazer sentido para especialistas e demais players. Diante da situação, lojas foram transformadas em atacarejos ou reduzidas a supermercados. Mas continuam com força na estratégia do Carrefour. “Temos clientes AB que querem ter tudo abaixo do mesmo teto. Então, dizer que acabou de um dia para outro, acho que não”, disse Maquaire, que também reconheceu a possibilidade de mudanças de planos. “Se no futuro, em um ponto específico, fizer mais sentido um Sam’s Club ou um Atacadão, por exemplo, vamos converter tranquilamente. Temos capacidade financeira para fazer essas mudanças e a força do nosso ecossistema.” Ficou definido que 47 estabelecimentos pertencentes ao grupo BIG serão transformados em Carrefour Hiper, totalizando 147 no formato até 2023.
O segredo do formato hiper, para o Carrefour, está no trabalho integrado. Essas lojas, além de seus SKUs, possuem a capacidade de fortalecer outras operações. A mais recente é a digitalização. Elas são pontos de pick-up importantes, já que a variedade de produtos aumenta o ticket médio de compra digital, e permitem mais velocidade de entrega. Em três meses, 100 lojas do Carrefour Hiper passaram a funcionar no modelo. “Precisamos de pontos de preparo dos pedidos dos clientes muito perto e o hipermercado oferece tudo”, disse Maquaire.
41,4% foi o crescimento de vendas no terceiro trimestre de 2022, totalizando R$ 29,3 bilhões.
As unidades também integram parte importante do banco Carrefour. A operação teve faturamento de R$ 13,3 bilhões no terceiro trimestre de 2022, impulsionada pelos cartões de crédito Carrefour e Atacadão. E por fim, é um asset da vertente imobiliária. O grupo é dono de 460 imóveis pelo Brasil, além de administrar quatro shoppings e 370 galerias comerciais. Esses empreendimentos formam uma relação simbiótica de público em busca de conveniência, enchendo os corredores dos hipermercados e das lojas.
FOCO NOS CLUBES A aquisição do BIG abriu uma nova janela para o Carrefour: atuar no modelo de clube de compras com o Sam’s Club, ainda pouco difundido no País. Focado em atender pessoas de maior poder aquisitivo, com produtos importados e exclusivos, o Sam’s Club tem um ticket médio de R$ 340, contra R$ 140 dos hiper. Para sócios, os mercados lembram o atacarejo em formato, com a vantagem de ter um sortimento de produtos diferenciados. Para fazer parte o consumidor paga uma anuidade de R$ 75. Atualmente são 35 unidades da rede e, até 2023, serão 50, com espaço para até 80 unidades. Para o professor coordenador do Centro de Excelência em Varejo da Fundação Getulio Vargas, Maurício Morgado, investir no formato é promissor. “O Sam’s Club é um atacarejo chique. É o único que tem essa capacidade no Brasil.”
Outra experiência importante que Maquaire trouxe para a gestão no Brasil é a criatividade para lidar com a inflação, que diminui o poder de compra do consumidor, resultando em carrinhos mais vazios, situação nada favorável para o varejo. Antes de assumir o cargo por aqui, o CEO passou uma temporada na Argentina, de onde importou alguns direcionamentos, como o retardo no repasse dos valores ao consumidor e uma política de congelamento de preços, por três meses, em produtos de marca própria, 30% mais baratos em relação aos da indústria. A ação já é tradição nos nossos vizinhos e está na quinta edição. Por aqui, durou entre novembro (2021) e janeiro (2022), resultando no fortalecimento dos produtos de marca própria, que representavam 16% das vendas em dezembro do ano passado e passaram para 20%, patamar mantido.
MARCAS PRÓPRIAS
O fortalecimento das marcas próprias é uma estratégia que ganha força no varejo e, de acordo com Morgado, passa pela mudança de direcionamento desses produtos, antes muito associados à baixa qualidade e preços. “É uma estratégia bacana, porque se o produto for bom, ele colabora para a imagem do varejista. É uma alternativa para o varejo crescer e conquistar margem e imagem perante os consumidores.”
Em nova fase, o Carrefour mostra que o seu tamanho permite diversificação. Operando do marketplace até a loja de proximidade, o grupo está presente em todo o território nacional com um portfólio que atende a todas as classes, regiões e necessidades. Com os últimos dois anos agitados, em razão de aquisições, polêmicas e crescimento, o novo Carrefour trilha um caminho promissor rumo ao objetivo de Maquaire de torná-lo um “gigante digital, líder, responsável e bacana para os funcionários.”
Por trás dos números, polêmica
Se os resultados financeiros e as estratégias de negócios vão bem, o Carrefour tem um grande desafio no que diz respeito a sua imagem, manchada após uma série de acontecimentos em suas lojas, que incluem assassinato, racismo e direito animal. O estopim para a crise ocorreu em 19 de novembro de 2020, quando João Alberto Freitas, um homem negro, foi assassinado por seguranças de uma unidade de Porto Alegre. Beto foi asfixiado e morreu no estacionamento. O acontecimento motivou protestos, boicotes e uma história para sempre atrelada ao caso.
Soma-se à lista de agravantes relacionados à marca outras denúncias, como a morte do funcionário Manoel Moisés Cavalcante em uma loja que continuou em funcionamento, apenas escondendo o corpo com um guarda-sol, ou o assassinato do cachorro Manchinha, espancado por um segurança. Já em um episódio recente, dois jovens foram presos por furtar quatro barras de chocolate em uma unidade no Rio Grande do Sul. Clientes que filmaram a ação afirmaram que a equipe de segurança agiu em conjunto com a polícia para prender os suspeitos de forma violenta. Já de acordo com o Carrefour, os funcionários apenas isolaram o local e a abordagem foi realizada inteiramente pela polícia. Fato é que, dado o histórico, casos como esse ganham destaque quando acontecem em solo vermelho e azul.
Após os acontecimentos, o Carrefour desistiu do modelo terceirizado para seus seguranças, internalizando essas contratações. Além disso, assinou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) se comprometendo a destinar R$ 115 milhões para ações de enfrentamento ao racismo. O documento foi criticado à época por algumas organizações.
A Coalizão Negra por Direitos divulgou uma nota pública em que dizia que “Não há simples ajuste de conduta para casos de assassinatos por motivação racial somado o agravante de tortura. […] O referido acordo precifica, normaliza e naturaliza a violência contra as vidas negras, corroborado pelo Estado Brasileiro através de uma negociação e barganha sobre as nossas vidas e dignidade.”
As ações do TAC incluem programas de profissionalização de jovens negros, educação e empreendedorismo, com editais para bolsa de estudo e qualificação em tecnologia, além de contemplar ações específicas no Rio Grande do Sul. O grupo também diz estar investindo no aumento da participação negra no quadro de funcionários, com a criação de programas afirmativos. Na recém-criada direção não há pessoas negras e no conselho, uma representante, entre 13. Considerando a liderança geral do grupo, a porcentagem sobe para 50%. “Quero essa porcentagem em todos os players da hierarquia, não apenas no total”, disse Maquaire.
Fonte: IstoÉ Dinheiro
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