A manutenção das vendas no canal digital e a entrada de novos players contribuíram para o bom desempenho do setor de franquias
Por Katia Simões
O aumento do consumo, com recuperação em “V” pós-pandemia; a manutenção das vendas no canal digital, que passaram a responder por cerca de 12% do faturamento das redes contra 5% no início de 2020; e a entrada de novos players contribuíram para o bom desempenho do setor de franquias, de acordo com André Friedheim, presidente da Associação Brasileira de Franchising (ABF). Ele ressalta que o momento vivido no país é de ebulição, com crescimento acima das metas previstas.
“Em janeiro, estimávamos um aumento de 2% no número de marcas franqueadoras em 2022, o que giraria em torno de 60, mas ultrapassaremos uma centena”, afirma. “No faturamento, revisamos o percentual de crescimento de 9% para 12%. A barreira de R$ 200 bilhões será rompida, uma marca histórica.” E vai além. “Devemos fechar o ano com 3.026 redes, 182.962 unidades em operação e 1,48 milhão de empregos gerados.”
Friedheim acrescenta, no entanto, que ao mesmo tempo que os resultados aumentam o interesse tanto das marcas em franquear quanto dos empreendedores em investir em franquias, é preciso cautela. “Para a rede ter um crescimento sólido e perene é necessário oferecer uma boa estrutura e praticar uma seleção criteriosa de franqueados, baseada em complementaridade de papéis, confiança, colaboração e convergência de valores e propósitos.”
A opinião é compartilhada por Daniel Guedes, superintendente da Casa do Construtor, rede especializada em locação de equipamentos para obras com mais de 500 unidades. “Não dá para se deixar seduzir pelo volume de crescimento. É preciso estar o tempo todo atento para assegurar que essa evolução seja contínua”, adverte o executivo. Com um faturamento estimado de R$ 700 milhões para este ano, 45% maior do que o registrado em 2021, a rede ampliou a gama de maquinário para aluguel indo além da construção civil. “Ao trazermos para o portfólio segmentos como jardinagem e limpeza doméstica, reforçamos a resiliência do negócio, que passa a falar também com o consumidor final e não apenas com a pessoa jurídica”, diz Guedes. “Hoje, 50% dos nossos contratos já são de pessoa física. Com essa visão, somada à oferta de uma franquia mais enxuta, moldada para cidades com menos de 100 mil habitantes, a Casa do Construtor espera chegar no próximo ano a 800 unidades e faturar R$ 900 milhões. “O ano de 2023 também marcará o início da expansão internacional da rede com mais força, iniciando com operações na Colômbia, Uruguai e México”, adianta o superintendente.
Quem também está com o apetite aguçado é a Mr. Cheney, rede de cookies tipicamente americanos, que planeja abrir 30 “dark kitchens” e 25 lojas físicas nos próximos dois anos, superando 130 unidades no início de 2023. “Estamos aproveitando dois movimentos do setor para alavancar nossa expansão”, afirma o sócio-diretor Johannes Castellano. “De um lado, houve um boom de delivery com o consumidor tendo integrado com mais força esta opção ao seu dia a dia. De outro, as franquias sem ponto comercial também cresceram com o propósito de atender esta demanda com maior eficiência e agilidade.” A estimativa é que a rede feche 2022 com R$ 90 milhões de faturamento, 25% a mais que no ano passado.
O bom desempenho do franchising também está ligado à disposição da indústria em estar mais próxima do consumidor final. Uma tendência que deve se tornar mais forte num futuro próximo. “Muitos ensaios foram feitos no passado, mas agora o movimento de criação de conceitos escaláveis para expansão é real”, afirma Lyana Bittencourt, sócia-diretora do Grupo Bittencourt. “A indústria acordou para a expansão com canal de terceiros movida pela necessidade de estar mais próxima do consumidor. Veremos novos conceitos sendo lançados nessa linha.”
Segundo a consultora, um bom exemplo é a OMO Lavandeira, criada pela Unilever. Em dois anos de operação, colocou no mercado três modelos de negócios – lavanderia especializada, express e self-service -, investiu na conversão de bandeira, chegando a 250 unidades e cerca de 600 mil consumidores.
Para Sandra Chayo, sócia-diretora de marketing e estilo do Grupo Hope, fabricante de moda íntima, beachwear e fitness, trata-se de um aprendizado contínuo. “Nosso maior desafio enquanto indústria é fazer a integração dos canais de varejo, ou seja, lojas próprias, franquias, multimarcas e e-commerce, com o mínimo de fricção e facilitando a jornada do cliente”, afirma. “Fomos a primeira rede monomarca de lingerie, começamos em 2006.” Com cerca de 200 unidades entre as marcas Hope e Hope Resort, o grupo lançou em junho um terceiro modelo de franquia: a Duo. Trata-se de uma loja híbrida, que reúne as duas marcas, concebida na medida para cidades com menos de 200 mil habitantes. “Já são 13 franquias em operação, com faturamento mensal médio de R$ 60 mil, 50% acima do esperado”, revela Sandra.
“No início, achávamos que cresceríamos com franqueados da própria rede, uma vez que a média é de 2,3 lojas por parceiro, mas a Duo abriu oportunidades para novos entrantes.” Com sell out estimado de R$ 290 milhões para este ano, frente a R$ 240 milhões registrados em 2022, a Hope pretende chegar a 700 franquias até 2025.
Promover e rentabilizar marcas comprometidas com sustentabilidade tem estimulado a criação de novas redes. Como a plataforma colaborativa Bemglô, criada com esse objetivo, segundo a sócia e curadora Betty Prado. São 60 marcas, das mais diversas regiões do país, com foco em decoração, arte, moda, design, artesanato, produtos de beleza e bem-estar, além de cafés de pequenos produtores. O modelo de negócio também foge do tradicional: a Bemglô fica com 30% das vendas e o restante com o produtor.
A empresa, aberta em 2014 em parceria com a atriz Glória Pires e o cantor Orlando Morais, nasceu 100% digital. Em 2019, levou o conceito para o mundo físico, com a inauguração de uma loja na rua Oscar Freire, em São Paulo. “O próximo passo será iniciar a expansão via franchising”, afirma Betty. “A franquia está formatada e as primeiras unidades deverão ser abertas no início de 2023”.
Segundo Betty, um dos principais desafios da Bemglô é a seleção de franqueados, porque a franquia tem um modelo disruptivo, com proposta de uma divisão mais justa dos ganhos. “Estamos falando de uma cadeia e o franqueado tem de estar alinhado com o nosso propósito de levar o consumo consciente e a economia circular para mais pessoas”, reforça.
A Bemglô é uma das novas marcas que aderiu ao sistema de franchising em 2022 trazendo um conceito de negócio pautado nos pilares da sustentabilidade social e ambiental. Chegou para engrossar o grupo das novatas que já nasceram com esse perfil. É o caso da gaúcha Criamigos, especializada na criação e personalização de pelúcias. Com quatro anos, 54 unidades e um faturamento estimado de R$ 124 milhões em 2022, a rede trabalha junto a seus franqueados para que a agenda ESG (governança social, ambiental e corporativa na sigla em inglês) seja colocada em prática por todos.
“Na área social um dos nossos principais projetos é a Franquia Amigos, que capacita mulheres em condição de vulnerabilidade para costurarem nossas pelúcias”, afirma a sócia Verônica Sella. “Somos uma das únicas redes a oferecer atendimento especial a clientes neurodiversos, disponibilizando horário especial para que os autistas usufruam da experiência da loja com equipes treinadas.” A fim de diminuir o impacto ambiental, todas as embalagens usadas no Centro de Distribuição, localizado no Espírito Santo, são recicladas e o saldo residual é encaminhado a cooperativas de reciclagem. Entre os fornecedores, 82% já realizam ações sustentáveis, como reúso de embalagens e adoção de energia limpa.
Embaladas pela mudança de comportamento de consumo, avanço da tecnologia e pressão por ganhos de produtividade, nos últimos dois anos boa parte das marcas franqueadoras revisitaram seus processos, incluíram pautas sociais, ambientais e de governança em suas estratégias, deram ênfase à transformação digital e apostaram em modelos de negócios diversos a fim de chegar ao consumidor por meio de novos canais.
Em uma palestra proferida durante a NRF 2022, maior feira de varejo, que acontece nos Estados Unidos, Lee Peterson, VP da WD Partners, comparou o varejo atual a uma supernova – explosão estelar poderosa e de intenso brilho. “O que começou com uma estrela perfeita, de compra e venda, explodiu e gerou diversos canais e formas de compra”, disse ele.
Pois é essa metáfora que Denis Santini, CEO do Grupo MD, usa para definir as transformações vividas pelo franchising nos últimos anos. “Portas se abriram com a adoção da tecnologia e uso das redes sociais como plataformas de vendas, aumentando a rentabilidade das operações”, diz. “Franqueadores e franqueados ganharam novos desafios, outras funções”. Segundo ele, cabe à franqueadora disponibilizar as ferramentas e treinamento para que o franqueado tire o melhor proveito das novas frentes. Na ponta, está nas mãos do franqueado fazer essa engrenagem rodar. “O futuro passa por uma série de oportunidades, que podem ser aproveitadas ou não, dependendo do olhar da franqueadora e da própria rede”, observa.
Muitas vezes a oportunidade está em usar a mesma estrutura para diversificar a oferta. “Cada vez mais veremos as grandes marcas criando submarcas dentro do próprio guarda-chuva a fim de atender o cliente em diversos momentos de consumo e ampliar os ganhos da rede”, afirma Marcelo Cherto, CEO do Grupo Cherto.
Foi o que fez a Patroni Pizzas, com 230 unidades em operação no Brasil, destas 130 on-line, e uma nos Estados Unidos. A rede lançou duas novas marcas – a Carcamanos, de lanches, e O Dom, de comida brasileira -, com o objetivo de otimizar a estrutura do franqueado, diversificar o público e aumentar a rentabilidade do negócio. “O modelo 3 em 1 já está funcionando em duas dark kitchens, uma em São Paulo e outra no Rio de Janeiro, e em 30 unidades da rede”, afirma Rafael Augusto, diretor de marketing. “Em poucos meses de operação, já proporcionaram um acréscimo na receita de 25% no caso de O Dom e de 8% a Carcamanos.”
A novidade ajudará a Patroni a fechar 2022 com um faturamento de R$ 147 milhões, 47% maior do que no ano anterior. No modelo compra uma marca e leva três, o investimento pode variar de R$ 250 mil a R$ 550 mil, dependendo do perfil da franquia.
Outra tendência que deve ganhar força em 2023, segundo Marcelo Cherto, é a de fusões e aquisições. “O apetite das grandes redes está maior. O objetivo é ganhar escala com a estrutura de back-office e gestão que desenvolveram”, afirma. “Sem contar a consolidação dos grupos multimarcas de franqueadores, que somarão mais marcas, a fim de diversificar o portfólio.”
Na visão do consultor, é bem provável que surjam novas holdings no franchising brasileiro num futuro próximo. O mesmo pode ser dito em relação aos multifranqueados, que se tornam cada vez mais profissionais, despertando o interesse das franqueadoras dispostas a crescer com parceiros consolidados.
Com 13 redes sob seu guarda-chuva, em diversos segmentos, entre eles, saúde, estética, beleza e serviços, a holding SMZTO promete não desacelerar, pelo contrário. Terminará 2022 com cerca de 4.500 franquias em operação e um sell out (comercialização direta ao cliente final) ao redor de R$ 5,8 bilhões. “Enxergar o futuro e estar capitalizado é a nossa receita para aproveitar as oportunidades”, afirma José Carlos Semenzato, presidente da holding, uma das primeiras a contar com um fundo próprio de private equity. Lançado em janeiro de 2020, com R$ 50 milhões de capital, cerca de um ano depois realizou uma chamada adicional.
“Trouxemos uma taxa de 30% de retorno para os acionistas e dentro de dois meses abriremos o SMZTO 2, com cerca de R$ 200 milhões”, revela Semenzato. “Subimos o valor dos cheques para investimento e já temos na fila duas empresas aguardado proposta para aquisição.”
De acordo com Alberto Serrentino, fundador da Varese Retail, o amadurecimento e os movimentos estruturais que impactam o sistema de franquias são os mesmos do varejo. Alguns têm um peso mais forte, como a agenda de transformação digital, que é o fio condutor das mudanças. “É mais do que o uso de novas tecnologias, é a adoção das ferramentas digitais com foco cada vez mais orientado a clientes e a dados.”
“Muitas vezes a relação com o cliente e, consequentemente o acesso aos dados, são descentralizados, ficam restritos a cada franqueado. Isso não é sustentável e nem viável diante das demandas atuais.” Segundo ele, o sistema todo tem de enxergar seus consumidores em bases unificadas – analisar, por exemplo, dados de frequência, recorrência, valor, tempo de relacionamento -, que permitam de fato uma gestão de clientes para, então, definir a melhor jornada. “Isso deve fazer parte dos indicadores tanto da franqueadora quanto dos franqueados, porém, com pilotagem centralizada”, afirma Serrentino.
Em sua visão, o metaverso ainda é uma realidade distante para a maioria das marcas, mas as tecnologias envolvidas como 5G, blockchain, realidade aumentada e realidade virtual estão sendo potencializadas, impactando em várias áreas. Há, quem, entretanto, prefira sair na frente.
É o caso da Guia-se, rede de agências digitais voltada a pequenas e médias empresas, que se tornou a primeira franquia a prestar serviços no ambiente virtual imersivo. A agência criou um departamento de pesquisa e desenvolvimento em metaverso para formação de seus franqueados, com aulas semanais abordando, entre outros temas, o desenvolvimento das criptomoedas e NFTs ((Non-fungible token, em português, token não-fungível).
“Foram três meses de desenvolvimento, com o primeiro treinamento ocorrendo no início deste ano”, afirma o CEO José Rubens Oliva. “Dos 160 franqueados da rede, 15% já estão trabalhando no metaverso. Segundo ele, é papel da franqueadora conhecer as ferramentas que irão impactar as ações dos clientes no fut e disponibilizá-las.
A Guia-se não está sozinha nessa jornada. Pioneira no segmento de bem-estar no recebimento de criptomoedas, o Buddah Spa foi a primeira franqueadora do setor a aderir à tokenização por meio de blockchain. A moeda própria, adotada por 5 mil clientes, gera descontos de até 25% e se multiplica na troca de produtos e serviços na rede. Com 66 unidades e faturamento estimado em R$ 61 milhões para este ano – 50% a mais do que no ano passado – o Buddah Spa se prepara para dar um passo além. Em 2023 lançará o próprio NFT, ativo digital baseado em blockchain, que representa objetos do mundo real. “No aplicativo da rede, além de contratar serviços, o cliente poderá escolher entre os avatares apresentados – que são NFTs -, o que melhor lhe convier e comprá-lo”, diz o CEO Gustavo Albanesi. “Cada avatar tem habilidades específicas e, dependendo da escolha, o cliente receberá menos ou mais tokens Buddah a cada massagem realizada. É basicamente um cashback do valor pago elo serviço.”
Albanesi reforça que o franchising é o reflexo do mercado e, como tal, tem de acompanhar as evoluções. “O blockchain é uma ferramenta de atualização, não pode ser deixada de lado.”
Fonte: Valor Econômico
Nenhum comentário:
Postar um comentário